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Membranas respiratórias, parangolés e objetos parceiros: “Tudo é Natureza” no Sesc Copacabana

Dança Além das Fronteiras, Por Cláudio Serra, Dança Além das Fronteiras, Por Cláudio Serra, Professor da Escola de Teatro da UNIRIO

Em 14/09/2024 às 18:54:31

Está em cartaz no Mezanino do Sesc Copacabana o espetáculo “Tudo é Natureza”. O título teve origem em uma conversa entre o Coletivo Objetos em Rede e Ailton Krenak. Este último teria respondido a um questionamento dos artistas com as seguintes palavras: “Tudo é natureza, pode ser natureza estragada, mas é natureza”.

Limpeza plástica

O primeiro contato com o espectador se dá na plasticidade minimalista do “preto-e-branco” do espaço cênico: linóleo branco sob almofadas quadradas pretas, volume de tecido plástico branco formando um círculo no centro, 3 grupos de prendedores de cabelo pretos em uma lateral do linóleo. Os 5 performers estão agrupados em pé, com sacos plásticos transparentes sobre o rosto, presos aos cabelos pela presilha preta. Parecem noivas apocalípticas. Uma névoa branca preenche todo o espaço.

Em um primeiro momento, esse minimalismo visual, aliado ao material não-orgânico escolhido pela encenação, causa estranheza e certo incômodo, já que se trata de um espetáculo que tem questões ecológicas em sua base. No entanto, o título da obra deixa de ser apenas palavra e se torna argumento: o material artificial, produzido pelo humano também é natureza. Corpo humano, animal, plástico; tudo é um elemento do ecossistema.

O que o linóleo branco faz, portanto, nessa proposta plástica, é colocar em evidência esses corpos humanos, como se a iluminadora iluminasse de baixo para cima, como nos dizendo que é a terra o que importa, o chão. Essa atmosfera onírica, criada pelo cenário, iluminação e trilha sonora densa, funciona como “sonhos para adiar o fim do mundo”: o que tivermos que fazer, faremos nesse mundo, na terra; e não em um céu idealizado.

Membranas respiratórias

Voltando à cena inicial, o sopro de cada performer faz com que cada véu plástico fique suspenso no ar por alguns segundos e, nesse jogo respiratório bastante delicado, o grupo começa a desenvolver uma marcha, uma caminhada pelo espaço. Os corpos verticais vão se apropriando do plano baixo, até se tornarem animais. Sempre dentro do jogo de sopro e suspensão da membrana plástica transparente.

O espectador atento conseguirá perceber o individual dentro do coletivo, visto que o toque de mãos e pés contra o linóleo difere de um corpo para o outro, como se fossem animais distintos. Essa trajetória de “pessoalização” se concretiza com a retirada dos sacos: os véus são puxados, revelando os rostos dos performers para, mais tarde, transformarem-se em balões flutuantes.

Em um outro momento do espetáculo, o grande volume redondo de tecido plástico branco, que jazia no centro, é desmantelado em várias membranas flutuantes, em dimensões mais extensas do que o pequeno véu do início. Os movimentos de expansão dos corpos conduzem os plásticos a uma infinitude de formas respiradas no ar. Como a circularidade é a composição mais forte do coletivo de corpos em cena, sua movimentação circular revela um carrossel de membranas em constante transformação.

Em muitos espetáculos, não é incomum vermos performers passarem de um objeto a outro, sem explorar suficientemente suas potencialidades. Aqui, o grande trunfo é a insistência no tecido plástico branco e transparente. O espectador tem o tempo de saborear cada possibilidade de relação com o material e criar seus próprios conceitos, a partir de suas referências pessoais. No meu caso, as membranas plásticas, que retém durante certo tempo o ar dentro de si, remete aos nossos pulmões.

Bia Lessa fez um uso interessante do plástico inflável em “Macunaíma”, quando o herói chega à cidade grande. Grandes bolhas que inflavam e esvaziavam. Em “Tudo é Natureza”, o uso do material plástico consegue transformar sua origem sintética em forma orgânica. A base da existência do nosso corpo é a respiração e isso é concretizado em cena pelo material mais improvável, aquele que, visto no acúmulo dos lixões, remete à morte.

Embalagens e parangolés

Há um outro uso da membrana plástica que é o envelopamento dos corpos verticalizados. Esse uso remete ao humano, mesmo aos desfiles de moda e sua parcela extensa de poluição. Os corpos envelopados se movimentando lembram certa fase de criação de Tadeusz Kantor. Para o artista polonês, o objeto está lado a lado com o movimento e o som: em mesmo peso que o texto, e não subordinados a ele.

Nos anos 1960, Kantor experimenta embalar os corpos dos artistas com materiais diversos, operando uma perda da utilidade do tecido e, sobretudo, subtraindo do corpo seu comportamento cotidiano. No Sesc Copa, a pluralidade de amarrações e envelopamentos dos corpos com o plástico desfazem nossa ideia do uso cotidiano do plástico como embalagem de supermercado, por exemplo.

Quando as embalagens ganham atitude de desfile de moda, é inevitável remeter aos parangolés de Hélio Oiticica. Os performers vestem-se com essas formas mutantes do tecido plástico e seus movimentos circulares e espiralados produzem um jogo de lixo-luxo, um jogo entre o material industrial e o envolvimento dos corpos vivos, como na frase de Krenak “temos que parar de nos desenvolver e começar a nos envolver”.

Objeto-parceiro

O termo de Giselda Fernandes “objeto-partner” produz uma relação interessante em cena: os 5 performers são bastante cuidadosos com os objetos que manipulam, ao ponto de nos perguntarmos se se trata de manipulação ou se a relação sujeito-objeto se desfaz ali, tornando humano e matéria inorgânica apenas elementos de um jogo.

O objeto revela não apenas sua própria forma, bem como o corpo do bailarino em sua singularidade. Cada um possui seu caminho pessoal de ser parceiro de seu objeto. Em algumas passagens, os corpos entram em diálogo com uma proposta do Lume Teatro relacionada ao uso de objetos em cena. As novas gerações de atores quase não mencionam essas experiências teóricas e práticas de algumas décadas atrás, mas elas aparecem de repente no palco. Aqui, o objeto escolhido revela ao espectador seu parceiro, quer dizer a pessoa do bailarino que o manipula (no vocabulário do Lume, a “matriz”).

O objeto “prendedor de cabelo” produz, também, momentos de riqueza plástica, como a coluna vertebral nas costas de alguns dos performers. Acho, entretanto, que ainda há trabalho a ser feito com esse objeto. Há mais descobertas apontadas nessa relação, ao passo que o tecido plástico já explorou mais caminhos e materialidades cênicas.

Vestígios

Um elemento menos evidente, porém bastante importante, é a expansão do tempo na fase final do espetáculo. É realizada uma dinâmica circular, como órbitas pessoais que fazem parte de um sistema comum. Essa dinâmica ultrapassa o tempo "comercial" de uma cena repetitiva, é uma cena que não abre concessões. Alguns performers vão chegando à exaustão, mas a dinâmica continua. Essa insistência na repetição é muito boa.

Em toda performance vemos os vestígios, o que fica do acontecimento. No caso de “Tudo é Natureza” restam dois amontoados: um amalgama de plástico e um amalgama de corpos. Um ao lado do outro, sem hierarquia.

Além da cena

Antes de terminar, vale mencionar que, na página do coletivo no Instagram, os performers escrevem sobre o processo criativo e conceitual, o que expande o espaço de criação. Para o espectador, pode ser uma extensão do espetáculo.

Ficha técnica

Idealização / Concepção: Giselda Fernandes e Hilton Berredo (in memorian)

Diretor e Coreógrafa: Giselda Fernandes

Performers:

Diogo Nascimento

Lucas Silva Santos (Casul0)

Mana Lobato

Marlúcia Ferreira

Samy Raposa

Assistente de Direção e Coreografia: Tais Almeida

Iluminação: Lilian da Terra

Captação e edição de Imagens: Luís Guilherme Guerreiro

Música Original: Gabriel Matriciano e João Mello

Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa

Redes Sociais e projeto gráfico: Raquel Oliveira

Diretora de Produção: Cacau Gondomar

Realização: Os Dois Produções Artísticas e Coletivo Objetos em Redes

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